3.2.12

O IHGT como "espaço" de discussões político-culturais


Este texto, ainda não terminado, dado o que dele pode ser criticado, nasceu de alguns momentos pelos quais passaram o IHGT e seus membros: o falecimento de duas sócias e algumas provocações saudáveis durante as reuniões.  Tudo isso, ao ser mencionado, nos permite refletir a própria posição desta instituição e de seus sócios quanto à participação na política cultural de Tiradentes.
Quando eventualmente falamos sobre política, tendemos ao erro de acreditar que política é algo feito por políticos e por seus partidos. A noção devida deste termo, e que agora tento apresentar, remete à relação que temos com os seres e objetos. Assim como Aristóteles julgou em sua época quando disse “o homem é um animal político” (ao dizer que ele estava inserido em uma pólis[1]), é possível compreendê-lo, o homem, como um ser que está inserido em variados espaços de atuações que o fazem, por conseguinte, estar, também, em constante relação com outros homens.
Se tratamos a política por sua condição relacional, que une os seres humanos, podemos pensar tais relações focadas em contextos específicos. Isso é, em espaços específicos. Apresentados esses pontos, podemos observar no IHGT a constituição de um espaço político no qual refletimos questões voltadas à história, arte, cultura e à preservação. A importância de pensar a história dentro de contextos políticos, isto é, pelas relações que são construídas entre seres humanos, nos faz buscar pelos valores de nossas ações (valores esses gravados pela história – já que cada grupo pode ter uma versão de um acontecimento histórico). A figura de Tiradentes, por exemplo, vai além de um revoltoso detentor de determinados ideais (que alguns poderiam classificar como ideais elitistas). Tiradentes passou a ser, em momentos diferentes e pelas relações diferentes nas quais sua figura é exaltada, pessoa que viria promover ideais nacionalistas, republicanos, libertadores, democratizantes, redemocratizantes, etc. Essas possibilidades de leituras demonstram algumas variações na compreensão do espaço de atuação de grupos e indivíduos.
Podemos iniciar essa discussão acerca do espaço questionando isso que comumente chamamos de preservação. Preservamos, por exemplo, memórias; cultura material ou imaterial; preservamos relações, etc. Preservar, contudo, não significa, ou não deve significar, cegueira histórica. Quando, em nossas pesquisas, tratamos da história, a tomamos pela necessidade de elaboração do passado. Elaborar o passado é tratar daquilo que passou e que nos mantém presos às causas unilaterais, como se colocássemos “uma pedra sobre o assunto”. Elaborar o passado é estar em constante reflexão sobre a história sem deixar que ela se fundamente como um passado distante e contado por um único ponto de vista.
Mantemos com a história não apenas uma relação estética, contemplativa: julgando-a pelo movimento cultural e artístico que levou, por exemplo, a construção de monumentos como o Chafariz São José, igrejas, casarões. Também não mantemos apenas o sentido utilitarista para com estas obras. Primeiro, porquê os julgamentos sobre arte e sobre estilos de arte são mutáveis pela constante dialética de nossos juízos. Segundo, e diante dos avanços tecnológicos, por não pensar essas obras pelo que supre de nossas necessidades: as mulheres não mais lavam roupas nos chafariz, nem os cavalos bebem de seu tanque, nem necessitamos daquela obra para fornecer água para toda a cidade. Sendo assim, é necessário nos afastar de questões do tipo “para que serve isto?”. Em lugar dessa questão, talvez, devêssemos nos aproximar de outras como, por exemplo, “qual a relação temos, ou tenho, com certas obras e porquê devemos preservá-la?”.
Pessoalmente, acredito ser nesse ponto reside a importância desta instituição que hoje, dia 19 de janeiro de 2012, completa 35 anos. O Instituo Histórico e Geográfico de Tiradentes, pela atuação de seus membros, constitui um espaço de discussões específicas[2] sobre igrejas, monumentos, casarões... Neste espaço, tratamos das relações entre os sócios e aquilo que está fora do IHGT.  
Para compreender isso, é necessário aceitar que os seres humanos constroem, com os objetos e seres, relações passíveis de serem resignificadas, transformadas, valorizadas, transvalorizadas (que seja). Cada um poderá, por si, responder sobre os motivos para preservar. Alguns desses motivos, por serem pessoais, podem ser classificados como mesquinhos: posso querer preservar a matriz porquê lá fui batizado, porquê meus avós foram enterrados lá, meus pais se casaram e etc. Claro, devemos levar em consideração que não existe uma visão unilateral quanto ao motivo. Importam menos as respostas que o fato de termos as respostas. O motivo de termos as respostas é o que será comum para nós. Ou seja, quando podemos responder, mesmo que intimamente, “por quê preservar este monumento?”, estamos a dizer que temos certas relações com esta obra (relações estas que poderão ser modificadas). Não será uma única resposta que faz uma obra digna de preservação.
Durante certo tempo e em certas conversas, alguns sócios do IHGT demonstraram preocupação sobre esta instituição ser classificada como elitista, como uma casa fechada na qual os lordes ou homens bons são aceitos e podem frequentar. Quanto a isso, devemos compreender que o IHGT não tem, nem deve ter, posicionamento fechado quanto a nada que está fora dele. Ou seja, podemos tratar das igrejas e casarões, mas sem desejar que nossos julgamentos sejam os únicos. Legitimamos, por isso, a existência de outras instituições presentes aqui, em Tiradentes. Ao fazermos isso, legitimamos nosso próprio espaço de discussões: O IHGT e seus membros são constituídos (I) pela política cultural - que marca a preocupação desta instituição, (II) pelas discussões sobre a necessidade de preservar, (III) sobre pesquisas históricas, etc.
A existência de instituições com diferentes perfis permite que o instituto possa se dedicar ao que lhe é caro. Quanto às outras instituições, cabem a elas fazer os debates sobre os assuntos que lhes causam preocupações. Quanto aos sócios do IHGT, notamos sua unidade ao observar suas atuações nas temáticas sobre as quais se debruça esta instituição. Isso permite conhecer os interesses e atuações de seus membros desde sua fundação, em 1977, diante do movimento histórico. Não podemos ser julgados como homens bons ou lordes se nossa preocupação não é política partidária, nem advém da necessidade de conclamarmos grandes levas de turistas - expondo a cidade em uma vitrine midiática -, buscando lucrar com os “nossos” estabelecimentos e “patrimônios”. Em suma, por termos interesses diferentes.
Para finalizar, ao IHGT não interessa quantidade de membros, mas a qualidade de seus interesses que, é verdade, só terá uma coerência interna (já que não é devido obrigar ninguém – o externo – a pensar como nós: sobre cultura, arte, história, etc.). Não podemos ser classificados como lordes, pois aceitamos outras instituições com preocupações diferentes das nossas. Temos uma identidade institucional. Por fim, é o respeito com as preocupações e relações desta instituição, desde o início elencadas por seus fundadores (mesmo que em perspectivas diferentes), que constrói e mantém a coerência que hoje coroa o seu trigésimo quinto aniversário. 

David I. Nascimento - Sócio do IHGT
(Comunicação apresentada em sessão solene, em 19 de janeiro de 2012)




[1] Cidades estados encontradas na Grécia Antiga. É devido dizer que as relações políticas neste contexto eram construídas por homens livres (o que excluía mulheres, crianças e escravos).
[2] Específicas, aqui, não deve significar unilateral.

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